Deputados de Fornos de Algodres no Parlamento dos Jovens

 

Usa a tua influência para dizer não à violência:

Deputados de Fornos de Algodres no Parlamento dos Jovens

Foi durante o mês de outubro de 2019 que os alunos da Escola Básica e Secundária de Fornos de Algodres receberam a boa notícia de que a nossa escola estava inscrita mais um ano na iniciativa do Parlamento de Jovens, tendo esta edição como mote “Violência Doméstica e no Namoro: como garantir o respeito e a igualdade?”.

Empenho foi uma característica que nunca faltou às nossas e aos nossos alunos, tendo estes elaborado 3 listas para concorrer à Sessão Escolar, sessão esta que é o primeiro passo para uma futura participação na Sessão Distrital.

Depois de muitas semanas de reflexão, debate, e um certo companheirismo (até porque, ao fim do dia, estamos todos a lutar pelo mesmo objetivo) foram eleitos os deputados para a Sessão Escolar, tendo a lista vencedora recolhido 56,9% dos votos. Nessa mesma sessão decidiu-se não só quem seriam os deputados a representar a nossa escola na Sessão Distrital como também qual seria o projeto de recomendação a levar para essa sessão. O projeto de recomendação aprovado foi o seguinte:

  1. Alteração do Código de Processo Penal, de forma a que as vítimas de violência doméstica possam prestar declarações para memória futura no âmbito dos vários inquéritos.
  2. Reestruturação/melhoria das unidades especializadas/mecanismos de cada NUTS III, de forma a ser possível uma resposta mais efetiva e rápida aos casos de violência doméstica.
  3. Visitas regulares de psicólogos a infantários e escolas do 1º ciclo, para monitorizar o comportamento infantil e alertar para possíveis situações de violência doméstica.

Estava então tudo a postos para a próxima fase: a Sessão Distrital. No entanto, uns dias antes dessa mesma, no dia 11 de março de 2020, recebemos a triste notícia que esta mesma seria adiada devido à pandemia da COVID-19. Sabíamos no entanto que melhores dias iriam vir e que iria “ficar tudo bem”, nunca perdendo a esperança que tínhamos de participar nesta sessão distrital que era cada vez mais importante devido ao seu mote. Enquanto muitos de nós estávamos isolados em casa numa narrativa de estarmos “seguros” havia imensas vítimas confinadas com o seu agressor, tornando a sua casa tudo menos segura, relembrando nos assim, mais uma vez, do flagelo que a violência doméstica ainda representa no nosso país. A Sessão Distrital viria então a ser realizada no dia 23 de março de 2021 através de videoconferência. Contou com a presença de deputados de 12 escolas diferentes do distrito da Guarda e ainda com a presença do sr. deputado Santinho Pacheco, eleito pelo Círculo Eleitoral da Guarda.

Num primeiro momento da sessão os deputados tiveram a oportunidade de questionar o sr. Deputado Santinho Pacheco sobre as preocupações que estes tinham sobre o tema, tendo a pergunta do círculo eleitoral de Fornos de Algodres recaído sobre quais se existia qualquer tipo de medidas legislativa dos diversos partidos representados na Assembleia da República que pretendesse encarar com seriedade a complexidade do crescimento da violência doméstica nos sucessivos períodos de confinamento.

Após esse período de perguntas, os deputados tiveram a oportunidade de defender os seus projetos de recomendação aprovados nas Sessões Escolares, seguida de uma votação para definirmos qual seria o projeto de recomendação em base para a seguinte fase de trabalhos. O projeto vencedor acabou por ser o projeto da Escola Secundária Gonçalo Anes Bandarra, tendo este sido utilizado como base para a elaboração do nosso projeto de recomendação distrital. A seguir a uma pausa para almoços tivemos a oportunidade de realizar propostas de alteração ao projeto base, através de propostas de aditamento ou de eliminação.

Após as sucessivas propostas apresentadas, realizou-se então uma votação acerca dessas mesmas, chegando assim a um consenso final acerca sobre como deveria ser formulado o projeto de recomendação do círculo eleitoral da Guarda. Este mesmo acabou por ficar com as seguintes medidas:

  1. Desenvolver ações de sensibilização e formação em contexto escolar, laboral, familiar e social.
  2. Assegurar que as instituições envolvidas forneçam proteção permanente e efetiva às vítimas.
  3. Criar/promover mecanismos de integração social da vítima e do agressor.
  4. Promover um programa educacional que dissemine os valores éticos do respeito e da igualdade e uma cultura de não violência nas escolas, ministrado, com caráter obrigatório, desde o pré-escolar até ao ensino secundário. Criar grupos de foco nas escolas – acompanhados por equipas multidisciplinares, constituídas por um assistente social, um educador social, um psicólogo e um animador sociocultural, por agrupamento escolar – com o objetivo de criar debates, utilizar modelos de referência de histórias de sucesso e acompanhar e sinalizar jovens em contexto de violência doméstica. O público-alvo destas sessões obrigatórias seriam alunos, professores, comunidade educativa e encarregados de educação.
  5. Alteração da legislação existente referente à violência doméstica e no namoro, para que os crimes tenham um tratamento igualitário aos crimes ocorridos fora deste âmbito, uma vez que a legislação deixa implícita uma certa desculpabilização de todos crimes em contexto de violência doméstica. Devem, ainda, ser valorizadas  todas as provas fidedignas e inequívocas obtidas pelas vítimas de violência doméstica e ou no namoro, como forma de prova em contexto de julgamento.

Por fim, mas não menos importante, elegeu-se também os deputados que iriam representar o nosso distrito na Sessão Nacional. Apesar de não terem conseguido levar o seu projeto de recomendação avante, a Escola Básica e Secundária de Fornos de Algodres captou a atenção tendo esta sido eleita para a Sessão Nacional juntamente com a Escola Secundária Gonçalo Anes Bandarra e a Escola Básica e Secundária Tenente Coronel Adão Carrapatoso. Foi também eleito como porta-voz do Círculo Eleitoral o deputado Rodrigo Sousa, da Escola Básica e Secundária de Fornos de Algodres.

No entanto, as surpresas nesta edição do Parlamento dos Jovens não terminaram na sessão distrital.

Infelizmente no dia 23 de abril recebemos a notícia de que as sessões nacionais não iriam ocorrer de forma presencial mas sim de forma online. Havia também uma mudança no formato do desenvolvimento desta mesma: em vez do típico formato de 2 dias, esta seria realizada em apenas um dia – no dia 25 de maio de 2021. Para tal, todos os deputados tiveram que votar previamente em 10 medidas de modo a selecionarmos 30 medidas para a discussão plenária final. Apesar de esta discussão não ser realizada na tão solene Sala das Sessões, os nossos deputados sabiam que esse facto não reduzia a importância do debate, tendo estes estado muito empenhados nas suas funções. A recomendação final aprovada foi a seguinte:

  1. Criação, por concelho, de uma comissão de prevenção e de combate à violência doméstica e no namoro: cada comissão seria constituída por uma equipa multidisciplinar, com técnicos devidamente habilitados, médicos, psicólogos/psiquiatras, técnicos de serviço social, juristas, autoridades policiais, e ainda a possibilidade de incluir ex-vítimas e ex-agressores. Cada comissão faria o diagnóstico das situações, assistência às vítimas e acompanhamento terapêutico das vítimas e agressores.
  2. Alteração da lei vigente, artigo 152.º, ponto 3, alínea b), do Código Penal, relativa à pena de prisão, em caso de morte por violência doméstica, equiparando-a à de um homicídio qualificado (12 a 25 anos), assim como a inclusão de um período de reabilitação do agressor, durante e após o cumprimento da pena.
  3. Abolir a pena suspensa para os casos de violência doméstica, visando a segurança das vítimas.
  4. Obrigatoriedade de ser providenciada na lei uma avaliação psicológica formal à vítima e, em especial, às crianças menores de idade e a cargo da própria, para despiste de eventuais problemas do foro psicológico. Na sequência desta denúncia, deve ser obrigatório o tratamento judicial prioritário, ou seja, o agressor deverá ser, de imediato, afastado da vítima e presente ao juiz, em um prazo máximo de 48 horas, para aplicação de medida de coação. A vítima deverá ser imediatamente avaliada física e psicologicamente.
  5. Criação de uma rede de apoio psicológico mais eficaz, através do reforço do acesso à saúde mental no SNS, fortalecido por parcerias público-privadas, de forma a restaurar a estabilidade mental e emocional das vítimas.
  6. Garantia da reintegração das vítimas colaterais menores e dos agressores na sociedade, através de: a) apoio escolar, transporte, entre outros, através de parcerias público-privadas (vítimas colaterais menores); b) reajuste do PAVD, de forma a assegurar a obrigatoriedade da frequência por todos os agressores com pena igual ou superior a 18 meses (de ambos os sexos). A componente de acompanhamento terapêutico/psicológico após o cumprimento da pena deverá ser igualmente obrigatória (agressores).
  7. Promover uma reforma de âmbito judicial que dê prioridade à desburocratização dos processos judiciais relativos aos casos de violência doméstica e no namoro, dada a urgência da sua resolução e agilização mais eficaz, no sentido de haver uma maior articulação e um maior controlo entre os organismos do Estado, organizações governamentais e não governamentais, equipas multidisciplinares e sociedade civil.
  8. Alteração da Lei n.º 112/2009, artigo 38.º, ponto 1, com vista a promover a obrigatoriedade de realização de consultas de psiquiatria ou psicologia durante um determinado período de tempo para os agressores condenados.
  9. Reformar o currículo escolar: a) 1.º Ciclo – Incluir o tema da equidade de género de um modo interdisciplinar. b) 2.º Ciclo – Clarificar a questão da equidade de género e introduzir o conceito de violência no namoro. c) 3.º Ciclo – Alertar e informar os alunos acerca das consequências que a falta de conhecimento sobre como reconhecer um problema pode ter para a vítima. d) Secundário – Promover uma abordagem mais direta da temática, sensibilizando os alunos através de casos reais.
  10. Integração do tema de Violência Doméstica e no Namoro nos projetos de domínio de autonomia curricular, no âmbito da Flexibilidade Curricular, e na disciplina de Educação para a Cidadania, de modo a instruir os alunos, prevenindo situações futuras e desencorajando atitudes agressivas.
  11. Promoção de instrumentos legais e sociais de integração das vítimas (proteção, habitação e emprego) e dos agressores (reabilitação, acompanhamento psicológico e inserção na vida ativa).
  12. Reforçar o apoio psicológico ao agressor nas instituições médico-judiciais, com comparência obrigatória deste, durante o período posterior ao cumprimento da pena estipulada pelo tribunal; em termos escolares, definir medidas disciplinares que visem o acompanhamento psicológico do jovem agressor, tendo em vista a sua integração no meio escolar.
  13. Avaliação de primeira análise obrigatória aos menores que passam por situações de violência doméstica.
  14. Aposta na melhoria da formação de agentes especializados em processos de resolução de casos de violência doméstica e no namoro, bem como a criação de gabinetes multidisciplinares em todas as capitais de distrito (à escolha da vítima), que disponham de advogados e assistentes sociais que agilizem os processos de comunicação entre as entidades.
  15. Implementação, nas escolas, de pequenos workshops sobre estratégias de coping (mecanismos comportamentais e emocionais) para os jovens lidarem com a violência; campanhas de sensibilização/palestras; promoção de aulas de autodefesa, no âmbito da disciplina de Educação Física, ou, na impossibilidade, na disciplina de Cidadania, e criação de linhas de apoio em todas as escolas para onde qualquer elemento da comunidade escolar possa ligar em caso de necessidade.
  16. Desenvolvimento, ao nível municipal, de protocolos com IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) e/ou criação de outras associações de apoio ao idoso, constituídas por um centro de dia que disponibilizaria, também, auxílio domiciliário, de baixo custo ou, se possível, gratuito, que juntasse profissionais e cidadãos, alguns em regime de voluntariado, como forma de combate ao abandono de pessoas da 3.ª idade, tantas vezes vítimas de negligência doméstica.
  17. Criar programas de reintegração da vítima e do agressor, que assegurem o acompanhamento de ambos por equipas de apoio psicológico.

Apesar de todas as adversidades, esta foi sem dúvida uma edição pertinente do Parlamento dos Jovens. Esperamos assim termos usado todos de forma positiva a nossa influência contra a violência, de modo a desmantelar o perigo que é a violência doméstica e no namoro. Gostaria de dedicar ainda as últimas palavras desta reportagem às 6 vítimas de homicídio por violência doméstica, todas essas no 1º trimestre de 2021. Que a luta continue, de modo a que um dia paremos de ter que observar esses números.

 

  

 

O aluno jornalista 

Henrique Quelhas